“As contradições nos definem e ao mesmo tempo nos desmantelam.” (G. Vidal)
Por Elenilson Nascimento
Por Elenilson Nascimento
Conheci o maravilhoso Gore Vidal por causa de Calígula, ou melhor, por causa do filme dirigido por Bob Guccione em parceria com a Penthouse Films (*uma das bíblias do erotismo mundial), lá no começo dos anos 90, mas o filme é de 1980. “Calígula, o filme” é uma das mais polêmicas produções do cinema, o único filme que mostra o show de perversões que oImpério Romano escondia (*com cenas de sexo explicito) e que conta a história de Calígula César, o mais louco dos imperadores, que mantinha um bizarro caso sexual com sua irmãDrusilla, mas que também foi casado com a mais infame das prostitutas.
Como Nero, Calígula começou a governar de forma liberal. Os romanos chegaram a pensar que estavam no início de uma era feliz, mas o imperador adoeceu, devido aos seus excessos e orgias, e, quando se recuperou, revelou sua maldade. Para muitos historiadores, a doença deixou Calígula totalmente demente, pois passou a promover gastos exorbitantes, impostos altíssimos e a total falta de freios marcaram o resto de seu reinado. Sua crueldade com os presos e os escravos era tão grande quanto sua depravação sexual. Divertia-se fazendo torturar condenados na frente de seus familiares. Tomava as posses de suas vítimas e não admitia ser contrariado em nada.
Mantinha uma casa de prostituição e ordenou que estátuas suas fossem colocadas em lugares de destaque em todos os templos, até nas sinagogas em Jerusalém. Nessa hora, entrou em conflito com os judeus, que não aceitaram esse desejo do imperador, que desejava ser adorado como um deus. Nomeou senador romano seu cavalo, Incitatus, para quem construiu um palácio de mármore. Antes disso, havia nomeado o cavalo como sacerdote e designado uma guarda pretoriana (*força militar romana criada para guardar o imperador e seus familiares) para tomar conta de seu sono. Sua ideia era humilhar o Senado romano e mostrar que se podia nomear um cavalo sacerdote e senador, podia fazer qualquer coisa com a vida de qualquer pessoa. Se a moda pega em Brasília, por exemplo, estamos campados!
No filme, baseado numa biografia escrita por Vidal e com supervisão do próprio autor, ao mesmo tempo que Calígula vivia cercado de bajuladores, tinha também inimigos perigosos, loucos para vê-lo longe do poder. A superprodução com elenco do primeiro time, onde se destacam o maravilhoso Malcolm McDowell, Peter O´Toole, John Gielgud e Helen Mirren(*que se destacou recentemente em “A Rainha”), Calígula choca pela sua beleza e naturalidade com que trata temas considerados tabus até hoje pela sociedade. Recomendo que peguem a versão que comemora os 20 anos do filme, onde contém cenas adicionais inéditas. E como não lembrar de “Calígula”, que foi o filme que não deixou o meu vídeo cassete parado em toda a minha adolescência? Pois, na noite desta terça-feira, 31/07, morreu nos Estados Unidos um dos melhores escritores e comentaristas políticos americanos Gore Vidal, aos 86 anos.
Charlton Heston nas filmagens de "Ben Hur", em 1959.
O autor deu início à carreira literária aos 19 anos e continuou escrevendo por mais de 60 anos. Não fugia de temas polêmicos, como religião, política e sexualidade. No livro “A Cidade e o Pilar”, por exemplo, publicado em 1946, ele tocou no tema do homossexualismo. Essa foi uma das primeiras obras a apresentar personagens abertamente gays. Esse livro abordou sem subterfúgios o homossexualismo, decisão que escandalizou os críticos quando foi publicado, mas que abriu um novo terreno na literatura americana.
Abertamente bissexual, Vidal retornou ao tema da identidade sexual 20 anos mais tarde, com a sátira "Myra Breckenridge". Em 1950, conheceu Howard Austen, um publicitário, que foi seu parceiro e com quem morou boa parte da sua vida, na Itália. Em 2005, depois da morte de Austen, Vidal decidiu se mudar para Los Angeles.
Alguns de seus livros abordam temas políticos ou a história dos Estados Unidos, traçando o que Vidal chamou de surgimento do império americano. Suas opiniões políticas também provocavam enormes controvérsias, como uma discussão com insultos com o colunista conservador William Buckley diante das câmeras de TV. Em outro episódio famoso, Vidal afirmava que seu então amigo Norman Mailer havia dado uma cabeçada em seu rosto ao fim de uma discussão antes de um programa de televisão.
John Kennedy, em Palm Beach , em 1958.
O escritor também foi apresentado à vida política enquanto crescia em Washington, onde seu avô, o senador por Oklahoma Thomas Gore, às vezes permitia que ele o acompanhasse ao trabalho. Seu fascínio pela política foi evidenciado em 1967 no livro "Washington DC", que conta a história de uma família de políticos. Depois de cumprir o serviço militar durante aSegunda Guerra Mundial, Vidal conheceu cedo o sucesso comercial como romancista, mas o amor de sua vida foi o atleta Jimmy Trimble, confessou Vidal anos mais tarde. Trimble foi morto numa batalha em Iwo Jima , e Vidal dedicou a ele o livro "A Cidade e o Pilar".
Considerado um dos escritores americanos mais ilustres e polêmicos do século passado, Vidal produziu exatos 25 livros. Com a diminuição do público leitor de romances e a concorrência do cinema e da televisão, o autor dedicou-se cada vez mais aos romances históricos, resultando no sucesso de “Calígula”. O escritor aprofundou-se em personagens e fatos da história dos EUA, e lançou sete romances históricos sobre esta temática:"Washington", "Burr", "Lincoln", "1876", "Império" e "Hollywood", encerrados por "A Era Dourada: Narrativas do Império". Em 1993, obteve o Prêmio Nacional do Livro dos Estados Unidos por seu ensaio "United States Essays, 1952-1992". Em 1995, escreveu seu livro de memórias, "Palimpsest". Candidato eterno ao Nobel da Literatura, Vidal era primo do ex-vice-presidente dos EUA Al Gore e meio-irmão da ex-primeira dama Jacqueline Kennedy.
Vidal, aos 10 anos, com seu avô, T.P.Gore. E durante campanha eleitoral
para o Congresso americano, em 1960.
Além de peças e roteiros para cinema - entre eles, o do filme “Ben-Hur” (1959), ao lado deTruman Capote, Tennessee Williams, Anais Nin, Christopher Isherwood, Orson Welles, Frank Sinatra e Norman Mailer, ele fez parte de uma geração de escritores que eram também celebridades. Vidal também fez muito sucesso no teatro, cinema e televisão, escrevendo roteiros para peças da Broadway ("Visita a um Planeta Pequeno") e filmes como "Paris está em chamas?" (1966) e o já citado "Calígula" (1979). "Ben Hur" ficou conhecido como o filmeem que Vidal foi forçado a amenizar o contexto homossexual da trama porque o diretor William Wyler sabia que o ator protagonista, Charlton Heston, jamais aceitaria participar numa obra com temática gay. Apesar de seu rico trabalho literário, jamais perdeu de vista a política. Vidal disputou uma cadeira no Congresso em 1960 pelo distrito de Nova York, pelo Partido Democrata, mas não teve sucesso. Em 1982 fez campanha contra o governo de Jerry Brownnas primárias democratas na Califórnia.
Seus comentários ácidos e espirituosos eram bastante apreciados, Vidal aparecia constantemente em talk shows na TV e em colunas sociais e disparava comentários ácidos contra todos, principalmente contra o governo americano. Nos últimos anos, suas opiniões políticas ficaram ainda mais radicais. Vidal foi particularmente ácido com o governo do presidente George W. Bush, a quem chamou uma vez de "homem mais estúpido dos Estados Unidos". Recomendo que leiam o seu livro “Sonhando a Guerra” – é simplesmente maravilhoso!
E, de acordo com um sobrinho do escritor, ele já estava doente havia algum tempo e sofreu complicações decorrentes de uma pneumonia em sua casa em Los Angeles. Uma pena! Ficamos órfãos de mais um cara massa que foi embora sem dizer tchau! “Estilo é saber quem é você, saber a mensagem que quer passar e não dar a mínima para o resto”, escreveu um dia Gore Vidal.
Calígula é uma obra maravilhosa, tanto filme quanto livro
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